Em projetos geotécnicos, é comum que a atenção se concentre nas características do solo e da rocha de forma separada. O solo, por ser mais deformável, costuma ser mais estudado em termos de comportamento compressível. A rocha, por sua vez, transmite uma sensação de maior estabilidade devido à sua resistência. No entanto, entre esses dois materiais costuma-se encontrar uma zona de transição que muitas vezes passa despercebida, e é justamente ali que surgem boa parte das incertezas e falhas de interpretação.
Essa zona intermediária, muitas vezes chamada de, saprolito, é onde começam boa parte dos erros de caracterização. Isso porque ela geralmente não se comporta exatamente como solo, tampouco como rocha. Ela tem estrutura ainda parcialmente preservada, mas já sofreu alteração suficiente para perder resistência e rigidez. E, mesmo assim, muita gente trata esse trecho como se fosse uma das duas coisas, sem considerar sua condição híbrida.


Figura 1 – Exemplo de camadas heterogêneas encontradas no solo.
A consequência? Erros em parâmetros de projeto, subdimensionamento de fundações, instabilidades não previstas em taludes e resultados de modelagens que não se confirmam no campo.
Outro ponto crítico é a amostragem. O trecho de transição raramente produz amostras indeformadas de boa qualidade, e o índice de recuperação em sondagens rotativas costuma ser baixo. Muitos registros pulam detalhes importantes ou classificam essa zona apenas como “rocha alterada”, sem distinção clara de grau de alteração ou estrutura remanescente. Quando isso acontece, perde-se a chance de entender o comportamento específico dessa faixa justamente onde há maior variação de resposta.



Figura 2 – Exemplo de amostras de sondagem rotativa (testemunhos). Pode-se notar uma parte mais consolidada (acima) e uma parte mais alterada (abaixo).
A transição solo-rocha também costuma apresentar permeabilidades descontínuas, com zonas localmente mais permeáveis que outras logo ao lado. Em taludes e cortes de mineração, essa característica favorece concentração de água em bolsões e, consequentemente, pressões intersticiais elevadas onde não se espera. Já se tem registros de escorregamentos que não começaram na camada superficial nem na base rochosa, mas justamente nesse intervalo mal caracterizado.
Na prática, o que resolve é o básico: detalhamento geológico cuidadoso, reconhecimento da alteração in situ, uso de ferramentas de análise e monitoramento, e, principalmente, não simplificar demais os perfis geotécnicos.